quarta-feira, maio 26, 2010

Definitivamente Talvez

A displicência cuidadosamente assumida, a moral devastada pela ressaca, a monocelha resignada ao peso da sua enormidade, o enfado a brotar por cada poro, a sublime atracção pelos excessos, o niilismo em bruto. Jorge Silvério inventou o estilo britpop por acidente, numa manhã aparentemente gloriosa em que nem sequer deve ter lavado os dentes.
Aqui o vemos, no seu britpoppest.

sábado, maio 22, 2010

Les Misérables

França. Esse país exótico, tão afamado pelas baguettes, vinho, queijo e por mulheres que não conhecem os prazeres da depilação. Em termos futebolísticos, a relação exportadora com Portugal nunca foi a melhor. Senão vejamos.
Napoleão esteve por cá durante o século XIX e não guardou grandes recordações. Passaram-se longos anos sem episódios dignos de registo, até que, no Verão de 1990, voilá!, aterra no nosso país a grande promessa Stéphane Paille. No Porto, arrebitaram-se as sobrancelhas, o povo soltava oh-la-la’s de espanto, estava ali o melhor jogador do campeonato francês de 1989. Vlk, outra contratação desse ano que em condições normais mereceria todas as atenções pela sua estranha conjugação de consoantes, foi relegado para segundo plano: os olhos estavam todos em cima do bom do Paille. Mas assim que a bola começou a rolar, uma aura de desilusão assombrou o anfiteatro das Antas. Longe dos Campos Elísios, Paille não conseguia desenvolver todo o seu propalado potencial. Kostadinov exasperava perante mais um pontapé de Paille na atmosfera, questionando “Então, Stéphane? Que m***a foi essa, pá?”, num português tão explícito que toda a bancada percebeu que teria de ser Domingos a ter Paciência para aturar o génio difícil do búlgaro. Paille, apesar de francês, não se deu bem na terra das francesinhas. O treinador disse-lhe “je suis très désolé” e Paille esforçou-se por não contrariá-lo, nem sequer indo para o banco em algumas ocasiões. Passado um ano era devolvido à precedência e o FCP ainda não recuperou totalmente desse enorme trauma: só no novo século voltou a contratar um francês, o pouco ortodôntico Cissokho, e mesmo esse não se aguentou lá por muito tempo.
Mais a sul, também se quis descobrir o perfume gaulês nos anos 90. Mas os resultados não foram mais animadores. Foi uma época de revoluções, aquela que o Rei Artur, também ele um francófono, quis implementar no SLB em 1994. Já havia Nelo e Tavares com o papel da artilharia pesada no meio-campo, então faltava só alguém para acender o rastilho. E esse alguém era Jean-Jacques Eydelie, a quem Rei Artur, lânguido, soltou por entre o seu robusto bigode: “Voulez-vous jouer avec moi… ce soir?”. Eydelie, um exilado da estirpe de Bonaparte, era um cintilante mago da bola cujas trapaças da vida o enredaram para fora do seu país Natal. Regressou da sua ilha de Elba, enamorou-se pelo SLB como Tomasson e vestiu a camisola como Rushfeldt. Serviu-lhe e ele ficou. Porém, nas contas finais, nem um minuto para amostra. Jogou menos que Andrés Diaz. Repito: jogou menos que Andrés Diaz. Pronto, jogou tanto como Simanic. Ou como Abazaj. Mas isso nunca pode ser um bom termo de comparação. O fantasmagórico Eydelie rumou em busca do seu Waterloo mal a época findou, como parecia evidente. Só mais tarde revelaria que a sua permanente ausência dos relvados lusos fazia parte de uma promessa pessoal, consubstanciada num livro com um título deveras sugestivo. É pena, Eydelie tinha um cabelo muito frondoso e daria um excelente cromo, mas nem sequer apareceu para figurar nas nossas colecções. Fica aqui a nossa lembrança, ó Jean-Jacques.
Mais ao lado, demorou só um pouco mais para chegar o primeiro exemplar francês. Nome de guerra: Didier Lang. Não, não era tão langão como o Pedro Barbosa. Mas também ficámos sem saber bem como seria ao certo. O tipo tinha um certo aspecto francês, lá isso é verdade. Tinha cara de ter uns pais que possuíram orgulhosamente um Citroën boca-de-sapo e que ficava até tarde a ver repetições do Hinault na Volta a França. E até podia ser jogador de futebol, mas isso até o Vidigal era e não vinha de França. Concretamente, Lang foi o Ivo Damas antes do próprio Ivo Damas: tinha deslumbrado, no que provavelmente fora a noite da sua vida, num jogo em que o semi-anónimo Metz, ainda menos cotado que o Martini com o mesmo nome, despachara o SCP da UEFA. E como recompensa veio cá passar um ano tranquilo. O Damas só viria mais tarde no desenrolar da época e, como é óbvio, Lang perdeu o seu espaço. Lang conheceu Bruno Giménez e César Ramirez, trocou contactos de telefone com Saber, contou uma anedota ao Leão que este não percebeu e pisou uma vez um presente canino à entrada da porta 10-A, por estar distraído a ouvir Edith Piaf no seu walkman. E é tudo que se sabe. Tal era o estado do SCP nesse ano que até jogou bem mais do que o bom senso recomendaria.
Depois destes pioneiros, a torneira francesa começou a abrir-se mais um pouco. Com especial incidência para os gardiens de but: o eterno Palatsi, Yannick (que não Djaló), Debenest, Quievreux e Peiser. E tipos de sucesso, como o estóico Quevedo, senhor do lado esquerdo da defensiva, o típico nº5 que acabou por merecer um perfume com o seu nome, como pode ser visto acima. E tipos esquisitos, como Dyduch e Rabarivony. E tipos que eram humanos, sim senhor, como Agasson e Paviot. E Tixier, Desmarets e Kelly Berville. E o afrancesado dos Santos e o multimilionário Laurent Robert. E o acidentado Sinama-Pongolle, a escrever história neste momento. E aquele que merece toda a nossa simpatia, que é o Godemèche. Je vous aime et moi non plus. Merci beaucoup.

Achtung, Baby

Um pouco de história: o grupo vulgarmente conhecido como Baader-Meinhof, o nome de dois dos seus membros mais célebres, foi uma organização terrorista que levou a cabo diversas acções sangrentas, principalmente durante aos anos 70. Agregavam jornalistas, advogados, estudantes e, entre outros, tipos que gostavam de fazer uns estragozitos, porque era uma cena bué da fixe. Começaram com uma bombita numa loja de Frankfurt e quando se deu por eles já estavam a rebentar com a embaixada da RFA em Estocolmo e a sequestrar um avião da Lufthansa. Foram, em determinada altura, o principal foco de instabilidade da ex-RFA. As autoridades tentaram conter o clima de crispação, mas, apesar de tudo, o grupo gozava uma certa popularidade junto de certas camadas da sociedade germânica e mesmo a simpatia de jovens idealistas espalhados pela sociedade ocidental, na ressaca da revolução cultural iniciada uma década antes. O grupo em si rejeitava o epíteto “Baader-Meinhof” e auto-denominava-se “Facção Exército Vermelho”, por ser, digamos, muito mais pomposo.
Chega de história, há um grande filme (tem mais de duas horas e meia) que podem ver sobre o tema.
Estava aqui eu a meditar… Exército Vermelho… violência… apoio popular… militantes com diferentes profissões… uau, a história parece que se repete! Eis o que podia ser um cartaz da polícia alemã dos anos 70, parcialmente actualizado para esta época:

terça-feira, maio 11, 2010

O FILIPE.

Olhem para mim, tenho cara de Filipe.
Sim, sou minimalista. Só preciso de um nome, ainda por cima um nome próprio.
Sim, uso brilhantina. Tenho que aproveitar, enquanto o cabelo não me começa a fugir da cara, como aconteceu ao Caccioli.
Há quem me compare ao Mike Patton.
Mas Patton, só o General, porque "Faith no More" poderia ser o lema do Sporting, e não um nome de banda. Aquela cena da devoção, e o cacete, já deu o que tinha a dar.
Sim, sou minimalista. Ouço Kraftwerk. O pessoal não entende. O Patrick Asselman prefere ouvir Scooter e mete-se com os meus parcos centímetros. Sinceramente, acho que isso é bastante infantil. Estou acima dessas coisas. Uso brilhantina e gosto. Ouço Kraftwerk e tenho orgulho nisso. Não chego à prateleira de cima, mas tenho tudo o que preciso cá em baixo, tipo ketchup e graxa prós vitorinos de verniz.

Joguei no Chaves. Na verdade, acho que sou uma espécie de J'aime Cerqueira metrossexual.
Jogo no meio-campo, sou genial, todos os anos vou dar o salto, vou chegar à Selecção, não chego, lesiono-me, vou parar a clubes do meio da tabela e dou com a fronha no catano do Chaves.
Soa-me a J'aime Cerqueira. Se não depilasse a monocelha, até corria o risco de acabar a carreira a jogar a central no Aparecida Futebol Clube. Mas eu conheço-me.
Sou minimalista, uso brilhantinha, ouço Kraftwerk e vou pendurar as chuteiras num jogo de homenagem em San Siro, com 80 mil tiffosi do Inter a entoarem cânticos de "Filipe, il piccolo grande calciatore" com a melodia de "Trans-Europe Express".

Tenho confiança no meu futebol. Eu destroco futebol. Vejam o meu esgar de superioridade nas fotos. Sim, sou melhor que vocês. Acho que devo franzir as sobrancelhas, enrugar a testa. É o meu dever. Exprimir desconfiança perante o patético repórter fotográfico que se masturba mentalmente com a perspectiva de fotografar o próximo grande jogador do futebol Europeu.

Sou pequeno, mas sei onde quero chegar. Afinal, comecei a carreira a isolar o luso-beckham Rosário em frente aos desamparados keepers adversários. Tive o Margaça progenitor - estóico - a guardar-me as espaldas.
Quem nasce em berço de ouro, não se contenta com talheres de prata à refeição. Eu quero tudo. Quero desmarcar o Ouattara, quero driblar o Quintana, quero levar a multidão ao orgasmo colectivo, à mais profunda desilusão. Quero ousar aquilo que jamais J'aime Cerqueira ousou, quero pintar a mais bela obra de arte, quero re-esculpir o Colosso de Rodes com as minhas próprias mãos, a solo. O futebol não se irá esquecer de mim.
Eu uso brilhantina. Ouço Kraftwerk. Franzo as sobrancelhas, porque sou melhor que vocês.
Eu sou Filipe (e vocês não).

domingo, maio 09, 2010

O Grande Artista

Um putativo candidato ao Rui Óscar.
Uma comédia, para uns; uma tragicomédia, para outros. Mas surpreendente, sem dúvidas.
Este filme é uma bala directamente ao coração do Paulinho.
O humorismo português está em grande. E nem é preciso nenhuma produção fictícia.

Um Secretário de Sonho

A secretária. Essa peça vital ao funcionamento de um escritório, uma mulher por vezes lasciva, emprenhadora de fantasias proibidas, aquela que se dobra com a camisa desabotoada sobre o monitor e se agacha para apanhar o agrafador caído com uma torção libidinosa, destacando todo o comprimento das suas longilíneas pernas revestidas com uma suave liga negra, tirando o público masculino do sério.

Este é o lado feminino. E o lado masculino?

Pois, o Secretário. Essa peça incompreendida de vários onzes, um defesa por vezes letal, especialmente para a sua própria equipa, aquele que acertou melhor com urina na cabeça do Nuno Luz do que nos cruzamentos para a área e que abria tanto o seu corredor como as bocas dos adeptos, tamanha a incredulidade. Perscrutando o seu currículo, também se pode dizer que Secretário tirou muita gente do sério: uma transferência para o Real Madrid (algo que levou os adeptos madridistas ao desespero e Beto à mais roída inveja), uma assistência para Acosta (que fez Chainho arrancar os cabelos que não tinha) e uma conversa mais que sensual com a Paula (que nunca deve ter recebido o que lhe era devido).

Secretária vs Secretário. Como seria a conjugação possível destes dois mundos? Eis uma hipótese visual:

quarta-feira, maio 05, 2010

Beto, Beto, Beto

O pessoal que não é de Lisboa diz que o pessoal de Lisboa é beto.
O pessoal de Lisboa corrige e diz que só o pessoal da linha de Cascais é que é beto.
O pessoal de Cascais, por seu turno, não tem outra opção senão sentir-se confortável com o seu modus vivendi ou então desabafar as maiores alarvidades ao volante do seu automóvel de elevada cilindrada enquanto está encalhado em mais engarrafamento na A5.

O nosso ponto: Betos há muitos. Com idiossincrasias muito acentuadas, como exemplificaremos.
Este Beto é do mais pungente que pode haver. Afinal, jogou num clube de betos. Foi o capitão deles, o mais beto dos betos. Teve cabelo de beto. Tem cara de beto, e logo daqueles que dá na ganza. Aposto que já usou sapatos de vela, pólos Burberry e camisas Sacoor Brothers, daquelas azuis com o rato nas costas e colarinhos brancos. Deve tratar os sobrinhos por você. Quase de certeza que organizou um jantar de beneficência ao Krpan porque pensava que ele seria um sem-abrigo. Joga, ou vai jogando, no clube que está ali entre as vivendas do Restelo e o concelho de Oeiras – portanto, clube geograficamente mais próximo do burgo central da betalhada só mesmo o Estoril (com jeitinho, ainda lá vai parar). Casou com uma mulher tão saliente quanto impregnada de silicone.
E porquê? Porque jogava bem à bola? Talvez. Por ser beto? Quiçá. Por ser o Beto? Ora aí está: a ambição de qualquer mulher com visão de futuro é contrair matrimónio com um futuro Real Madrid. Infelizmente, há especulações que nunca se concretizam materialmente. E então lá se vai o matrimónio e lá vêm as festas em catadupa.
O pesadelo do beto é ser forçado a andar de transporte público, juntamente com a gente das obras; o pesadelo deste Beto, porém, foi um camião chamado Custódio e um polícia chamado Paulo Bento. E aí a sua betice começou a ser posta em causa. Para nunca mais recuperar.
Num plano intermédio, temos este Beto. Que também começou no mesmo clube associado à betice. E não é só por causa disso que o seu nome artístico não é Pimparel. É que Pimparel ultrapassa o limite do razoável, reconheçamos. É um nome que faz o Pittbull parecer ter um nome de pessoa inteligente.
Este Beto, em rigor, não era muito beto. Era um gajo vaidoso, quanto muito, mas nunca deve ter tido um free-pass para entrar Kapital. Depois enrijeceu a barba junto dos pescadores de Leixões. Tanto voou, tanto espalhafato deu, que foi parar ao clube dos que se dizem anti-betos por excelência – aqueles que dizem que comem três sopas de cavalo cansado ao pequeno-almoço, mais uma frutinha e um telefonema a um agente desportivo na penumbra para ganhar jogos que não interessam para nada.
Lógico era que mudasse de nome. Se "beto" está demasiado colado a Lisboa, "bimbo" está colado ao Porto. Ora aí está, vamos chamar-te Bimbo e fazer-te um novo baptizado para este teu renascimento competitivo. Porque Pimparel, mesmo que fosse válido por estar no BI, estava completamente fora de hipótese. Mas por causa de direitos de marca e pressão da Panrico, Bimbo também foi uma hipótese que não saiu do papel. Envolvido nestas improfícuas discussões filosóficas, Beto deu um excelente aquecedor de banco, sendo inclusivamente seleccionado por causa desse mérito indiscutível das suas nádegas. E mesmo em certas ocasiões, quando se previa que saltasse do banco, deu-se primazia às luvas do Espírito Santo, enregeladas e extremamente sebosas, até na tepidez algarvia.
No fundo desta dinastia de betos, temos o não-beto. Um Beto acidental. Quer dizer, olhamos para a figura deste médio e para os clubes onde passou e dizemos logo que quem lhe deu a alcunha não estava a ver bem o filme. Até porque possuía Galdino no nome. Isto é a antítese do beto, o que o yin está para o yang.
Os verdadeiros betos nunca lhe perdoaram esta usurpação do nome. Se este Beto por acaso entrasse com um chapéu de viking numa praça de touros, o local para onde confluem imensas manadas de betos aos urros de “eh!, touro!”, todos iriam repugnar-se de tal forma (“Meu Deus, que horror! Aquilo tem mesmo ar de pobre!”) que ainda iriam pensar que estava ali um touro bípede.
Um bom livre no Paços, um bom golo no Beira-Mar e pronto, uma inesperada passagem para o clube com maior percentagem de adeptos desdentados de Lisboa. Sim, Lisboa é paradoxal: mesmo em frente a um dos grandes centros de opulência encontra-se o grande santuário da xungaria. E apesar do seu peculiar aspecto, chamava-se Beto e um beto no meio dos taxistas e dos garrafões não podia acabar bem.
As contradições não cessavam. Um futebol bruto digno de Fernando Aguiar mas com uma suave oxigenação capilar digna de Ruth Marlene. Um portentoso engano contra o Manchester United e sucessivas confirmações de desastre contra as equipas do campeonato português. Os adeptos estavam confusos.
Solução: apagá-lo rapidamente da nossa memória, lavar o nosso cérebro para acreditar que ele nunca aqui esteve. Este Beto, hoje em dia, é já um X-File classificado e nem o Mulder parece muito convicto da sua existência.
Agora está na Grécia. A Grécia em crise profunda, onde apenas o engenheiro do penta prospera. Esperamos que se esteja a dar bem. Porque ele, lá no fundo, merece ser feliz como os verdadeiros betos que têm as fortunas da família a sustentá-los.

O pessoal depois vinga-se nos comentários. “Eh pá, ó Rodrigues, eu até gosto da vossa SAD, mas de vez em quando vocês são um bocado parvos”. “Eh pá, ó Rodrigues, e para quando um post sobre o Paulo Vida? “Eh pá, ó Rodrigues, isso é só má fé, não tens tomates para dizer o que escreves à frente dos gajos”. Por falar em tomates:
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